quarta-feira, 24 de julho de 2013

POR QUE O BRASIL E AGORA?

POR QUE O BRASIL E AGORA?

Tarcísio Brandão de Vilhena

Continua gerando perplexidade, dentro e fora do país, a crise repentina que eclodiu no Brasil com o surgimento de manifestações de rua, primeiro em cidades maiores, estendendo-se depois por todo o país. O dia em que 12 capitais brasileiras viraram palcos de protestos e mais de 230 mil pessoas foram às ruas pedirem mudanças no país ganhou destaque em alguns dos principais Jornais estrangeiros, como New York Times, The Guardian, Le Monde, e outros.
Estes veículos procuraram falar sobre as causas dos protestos e apontaram, quase sempre, a insatisfação com problemas sociais e com o alto custo das obras da Copa das Confederações e da Copa do Mundo. O Espanhol El país, em artigo assinado por Juan Árias, seu correspondente no Brasil, diz que "ninguém esperava que esta multidão, formada por pessoas de todas as idades e de todos os grupos sociais saíssem às ruas de repente para dizer: queremos mudar o Brasil! e acrescenta: os brasileiros que continuarão protestando nos próximos dias não lutam contra uma ditadura, nem contra o governo. Eles querem mais. A grande incógnita é como vão consegui-lo, quem cristalizará este protesto sem líderes”. “Se existe uma angústia difusa nas ruas, essa angústia se traduziu em um alerta que chegou ao Palácio Presidencial, onde se senta a presidente Dilma Rousseff, antiga guerrilheira e lutadora contra a ditadura militar quando tinha a idade dos que tentaram ocupar o Congresso", afirma o texto
Para alguns analistas, "está lentamente ficando claro que as massivas manifestações de rua ocorridas nos últimos tempos no Brasil, e também pelo mundo afora, expressam mais que reivindicações pontuais, como uma melhor qualidade do transporte urbano, melhor saúde, educação, saneamento, trabalho, segurança e uma repulsa à corrupção e à democracia das alianças sustentada por negociatas".
Analistas, num espécie de exercício de futurologia, chegam afirmar que fermenta algo mais profundo, quase inconsciente, mas não menos real, como, por exemplo: "o sentimento de uma ruptura generalizada, de frustração, de decepção, de erosão do sentido da vida, de angústia e medo face a uma tragédia ecológico-social que se anuncia por toda a parte e que pode pôr em risco ao futuro comum da humanidade. Podemos ser uma das últimas gerações a habitar este planeta".
De fato, é um desafio para qualquer analista interpretar esse fenômeno, de maneira a fazer justiça à sua singularidade. É o primeiro grande evento, fruto de uma nova fase da comunicação humana, a internet totalmente aberta e que possibilita, a cada cidadão, a prática de uma democracia que se expressa pelas redes sociais. Cada cidadão pode sair do anonimato, dizer sua palavra, encontrar seus interlocutores, organizar grupos e encontros, formular uma bandeira e sair à rua. De repente, formam-se redes de redes que movimentam milhares de pessoas. Esse fenômeno precisa ser analisado de forma acurada porque pode representar um salto civilizatório que definirá um rumo novo.
O movimento é composto pela juventude e outros movimentos sociais. As clássicas bandeiras do socialismo, das esquerdas, de algum partido libertador ou da revolução, foram repelidas pelas massas. Agora, o que se vê, são têmas ligados à vida concreta do cidadão: democracia participativa, trabalho para todos, direitos humanos, pessoais e sociais, presença ativa das mulheres, transparência na coisa pública, clara rejeição a todo tipo de corrupção, Ninguém se sente representado pelos poderes instituídos que geraram um mundo politico palaciano, de costas para o povo.
O que se tem visto são manifestantes cansados de uma classe política corrupta e moralmente falida, e que estenderam seus alvos para incluir a Copa do Mundo e seu principal teste, a Copa das Confederações. Os manifestantes veem estes eventos como uma chance para políticos roubarem grandes somas de dinheiro dos orçamentos generosos alocados para reformar e construir estádios para os jogos.
Por que esses movimentos de massas irromperam no Brasil somente agora? Muitas são as razões. Entendo que se trata de um efeito de saturação: o povo se cansou do tipo de política que está sendo praticada no Brasil; o povo se beneficiou dos programas da Bolsa Família, da Luz para Todos, da Minha Casa Minha Vida, do crédito consignado; ingressou na sociedade de consumo. E agora o quê?
O poeta Ricardo Retamar dizia que: “o ser humano tem duas fome: uma de pão, que é saciável e outra de beleza, que insaciável". Penso que sob beleza se entende educação, cultura, reconhecimento da dignidade humana e dos direitos pessoais e sociais como saúde com qualidade mínima e transporte menos desumano.
A segunda fome não foi atendida adequadamente pelo poder publico, e pela classe política. A fome de cultura e de participação. Avulta a consciência das profundas desigualdades sociais, que é o grande estigma da sociedade brasileira. Esse fenômeno se torna mais e mais intolerável na medida em que cresce na sociedade, a consciência de cidadania e de democracia real. Uma democracia em sociedades profundamente desiguais, como a nossa, meramente formal, praticada apenas no ato de votar que, no fundo, é o poder de poder escolher o seu “ditador” a cada quatro anos, porque o candidato, uma vez eleito, dá as costas ao povo e pratica a política palaciana dos partidos. Ela se mostra como uma farsa coletiva. Essa farsa está sendo desmascarada. As massas querem estar presentes nas decisões dos grandes projetos que as afetam e sobre os quais nunca são consultadas.
Esse Brasil que temos não é para nós, ele não nos inclui no pacto social que sempre garante a parte de leão para as elites. Querem um Brasil “brasileiro”, onde o povo conta e quer contribuir para uma refundação do país, sobre outras bases mais democrático-participativas, mais éticas e com formas menos perversas de relação social. Não será esse o pensamento das massas?



segunda-feira, 22 de abril de 2013

O PAPA FRANCISCO e os desafios com os quais ele se defronta

  
Tarcísio Brandão de Vilhena

O Imperador Constantino, quando adotou o Cristianismo como a religião oficial do Império Romano, não imaginava o mal que esta adoção iria causar à religião de Cristo. Foi o inicio do mais nefasto processo de desvirtuamento e das ideias pelas quais Cristo morreu na cruz.
Com a queda do Império Romano, os Papas tomaram para si o título que anteriormente pertencia aos imperadores romanos - Máximo Pontífice.
O que se passou nesses 2.000 anos na Igreja Católica foi a mais dominante forma de apostasia cristã do verdadeiro Evangelho de Jesus Cristo e da verdadeira proclamação da Palavra de Deus.
Eugenio Pacelli, o único romano eleito papa até hoje, escolheu o nome de Pio XII para governar a Igreja como se fosse um imperador. E assim o fez entre 1939 e 1958. Antes de morrer, distribuiu títulos de nobreza a seus parentes mais próximos. Com não menos imponência, os Papas que o precederam conduziram a Igreja.
João XXIII, eleito para suceder Pio XII, assombrou a todos quando convocou o Concílio Vaticano II. Tamanho foi o espanto dos Cardeais que eles o quiseram depor. O cardeal Giuseppe Siri, que era então arcebispo de Gênova, reuniu Cardeais para estudar a possibilidade, segundo o Direito Canônico, de depor João XXIII.
Albino Luciani, ex-patriarca de Veneza, escolheu o nome de João Paulo I para governar a Igreja como o pastor que sempre procurara ser, independente de seus títulos e posição. Na tarde que antecedeu sua morte, 33 dias após a sua eleição, reuniu Cardeais da Cúria e falou sobre seus planos. Estava decidido, simplesmente, a ir morar em um bairro operário de Roma, levando com ele os Cardeais que desejassem ir. Reformaria a Cúria, organismo que administra a Igreja, e entregaria os palácios aos cuidados de uma organização internacional. Na noite daquele dia, João Paulo I foi dormir sem ver televisão, como de costume. Preferiu ler um livro. Amanheceu morto.
Em um artigo, o jornalista Ricardo Noblat narra que, no início dos anos 70, dom Hélder Câmara, então arcebispo de Olinda e Recife, foi a Roma para uma audiência com o papa Paulo VI. Os dois eram amigos há mais de 20 anos.
"Santidade, posso confiar ao senhor as minhas angústias?” – perguntou dom Hélder. Paulo VI respondeu que sim.
"Santidade, por que a Igreja não volta às suas origens? Por que tantos palácios, tanta ostentação, tanta riqueza? Por que Vossa Santidade tem de viver como se fosse um rei?”
O papa ouviu calado o desabafo de dom Hélder.
“Posso lhe dar um conselho, Santidade? Não me leve a mal. Mas abandone tudo isso. Acabe com essa pompa. Entregue as riquezas da Igreja para alguma entidade administrar. Ou então venda o que deve ser vendido e reparta o dinheiro com os pobres. Vá morar modestamente numa pequena Igreja. E seja, antes de tudo, um pastor. Livre-se de tantos outros títulos que tem.”
Quando dom Hélder se calou, Paulo VI pôs as mãos dele entre as suas e respondeu, sem disfarçar a emoção:
“Como eu gostaria de poder fazer isso, dom Hélder! Como eu gostaria! Mas não posso! Não posso.”
Os dirigentes da Igreja Católica tudo têm feito para manter a Igreja ancorada na Idade Média. Por qual motivo? A resposta nos remete aos fundamentos que deram origem à Igreja de Cristo, distanciando-a da Igreja primitiva, em que todos participavam com direitos iguais e preservavam sua origem doutrinária e religiosa.
A Igreja tem medo de Cardeais jovens. A maioria dos nomeados são anciãos. Parece esquecida que Jesus era "Papa", quer dizer, profeta e evangelizador, com apenas 30 anos. E que o mataram na flor da vida. E que o poder, tanto religioso quanto civil, tombou diante dele.
A verdade assusta o poder, e assusta a Igreja, na medida em que ela - Igreja - se mescla e se confunde com o poder mundano.
Para reconduzir a Igreja às suas origens, o novo Papa se defronta com perigosos e inevitáveis desafios. Terá ele coragem de dizer "dai a Deus o que é de Deus e a Cesar o que é de Cesar”? O Banco do Vaticano e suas transações em paraísos fiscais, a lavagem de dinheiro da Máfia, e as manobras da Cúria para influenciar os parlamentos, são coisas de Cesar ou de Deus?
Será capaz de uma atitude severa contra os abusadores de crianças, ao invés de esconder ou minimizar os escândalos de pedofilia na Igreja, que segue defendendo hipocritamente o celibato obrigatório?
E, por fim, será capaz de derrubar as mesas do Templo, de expulsar dali os que fazem da Igreja um jogo de negócios, às vezes tão sujo que tem provocado suicídios e assassinatos?
O que fará Francisco, o novo Papa, quando terminar de ler a íntegra do relatório de pouco mais de 300 páginas que hoje está trancado em um cofre? Encomendado a três Cardeais por Bento XVI, o relatório informa sobre a conduta nada imaculada de religiosos pelo mundo afora.
Na verdade, os cardeais da periferia da Igreja, que são os que o elegeram Francisco, e o fizeram mais por suas características franciscanas que jesuíticas, por seu estilo de vida simples como Cardeal, sua proximidade aos mais pobres e sua forte espiritualidade para se contrapor às sujas manobras vaticanas.
O que tem marcado o novo papa Francisco, aquele “que vem do fim do mundo”, são gestos simples, populares, óbvios para quem dá valor ao bom senso comum da vida. Ele está quebrando os protocolos e mostrando que o poder é sempre uma máscara e um teatro, mesmo em se tratando de um poder pretensamente de origem divina.
Como combinar a pobreza do Nazareno aos báculos dourados e às estolas e às vestes principescas dos atuais prelados? O povo nota essa contradição. Tal aparato nada tem a ver com a tradição de Jesus e dos apóstolos.
Já foi dito que "a cabeça pensa a partir de onde os pés pisam”. Efetivamente, se alguém sempre pisa em palácios e suntuosas catedrais, acaba pensando na lógica dos palácios e das catedrais. Talvez seja esta a razão que faz Francisco, sistematicamente, recusar as opulências de seus antecessores.
Ao escolher o nome de Francisco, o cardeal Jorge Mario Bergoglio já indicou o que prevê para o futuro da Igreja "Francisco não é um nome, é todo um programa de Igreja, uma Igreja simples, sem poder, ligada aos pobres, com uma relação totalmente diferente com a natureza".
O grande teste será quem ele vai nomear secretário de Estado. Se ele mantiver o Cardeal Bertone, nada mudará, pois ele é apontado como um dos pivôs da crise interna na Igreja Católica que culminou na renúncia de Bento XVI.
Francisco atuará apenas para exorcizar as manifestações mais ostensivas do demônio, ou será capaz de surpreender o mundo, convocando um concílio para dar novo rumo à Igreja? Ou se quedará fraco e acuado até seu pontificado chegar ao fim?